Descobrir o silêncio e aprender a gerir o dia a dia de uma casa Jornal de Notícias Emília Monteiro | Imagem: Miguel Pereira “A maior alegria de viver fora de uma instituição é poder comprar o que queremos e a maior tristeza é perceber que está tudo tão caro, que não temos dinheiro para quase nada”. Mariana, 20 anos, institucionalizada desde os três anos de idade, vive num apartamento de autonomização há poucos meses. A jovem estudante universitária é uma das 32 pessoas que, desde 2013, já passaram pelos dois apartamentos que a ASAS-Associação de Solidariedade e Ação Social de Santo Tirso, tem na Trofa e no concelho tirsense. “Saí do lar onde vivia e vim aprender a ser adulta no apartamento”, relata Mariana. Com a verba mensal entregue pela Asas para a gestão da casa e uma semanada para os gastos pessoais, os jovens, com uma “independência controlada”, têm de pagar serviços como água, luz e internet. São responsáveis por fazer compras para alimentação, higiene e manutenção do espaço. Sempre disponíveis para ajudar, estão os técnicos da ASAS que, não vivendo nos apartamentos, monitorizam o dia a dia dos jovens. “No princípio, parece que é tudo barato e que é tudo fácil, mas não é”, recorda Ana, também com 20 anos. Em setembro, deixou o apartamento de autonomia para viver numa casa próxima da família biológica. “Quando saímos da instituição para viver sozinhas, já recebemos muita preparação para a vida real. Mesmo assim, há sempre um choque”, frisa a jovem que, desde 2014, viveu numa casa de acolhimento. A primeira sensação que Ana teve no apartamento é inesquecível: “Tanto silêncio que eu até estranhei”. Também Mariana recorda as primeiras noites fora da instituição onde vivia. “Estava tudo muito escuro e eu estava habituada a ter sempre luz à volta. E percebi que, nas casas das famílias, não há luz de presença”. As compras, sobretudo de alimentos, foram uma experiência “estranha”. “Comprava refeições pré-cozinhadas para ter menos trabalho, mas rapidamente, percebi que com o dinheiro que gastava numa refeição, se cozinhasse, podia comprar comida para vários dias”, lembra Mariana. ORGANIZAR O TEMPO A história de João, de 22 anos, é um pouco diferente, embora partilhe as mesmas dúvidas e anseios de viver sozinho. “Tive ajuda no que foi necessário, consegui terminar o Secundário, arranjar o primeiro emprego e entrar na faculdade”, refere o jovem, que deixou a família com que vivia para se autonomizar. “O ambiente em que vivi era completamente diferente do que encontrei no apartamento”, descreve, frisando que, na casa onde vive agora, é tudo “para melhor”. A gestão do tempo e do dinheiro são a maior luta de quem vive em casas partilhadas com outros jovens. “Achava que tinha tempo para tudo e, rapidamente, percebi que ou acordava cedo para estudar e tratar das coisas em casa ou não conseguia fazer as coisas”, confidencia Mariana que, no ano passado, perdeu a bolsa que tinha na universidade e que, este ano, está a “trabalhar duro” para recuperar o apoio financeiro. A falta de habitações para arrendar e a exigência do pagamento de seis meses de caução foi um problema para Ana, quando decidiu sair do apartamento de autonomia. “Fui juntando algum dinheiro, enquanto vivi no apartamento, mas nós não temos a retaguarda da família e é muito difícil, por exemplo, arranjar um fiador ou ter dinheiro para alugar uma casa”, explica a jovem, que, entretanto, conseguiu realizar o sonho de alugar uma casa. “Temos a preocupação de que todos os jovens que deixam os apartamentos o façam depois de ter carta de condução, uma poupança financeira e o 12.º ano concluído ou uma licenciatura”, finalizou Maria do Céu Brandão, diretora dos Serviços Sociais da ASAS. | |
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